Sobre educar: notícias de mim
- Sílvia Lazzaretti
- 4 de mar. de 2022
- 3 min de leitura
Durante a semana, recebi uma notícia de mim. Não foi uma carta escrita do próprio punho como amo receber. Nenhum e-mail, whatsapp, direct, código morse ou sinal de fumaça. O que posso adiantar sobre o seu conteúdo é que tem a ver com meu fazer mais precioso: a educação.

Legenda da foto: Oficina de Escrita Criativa para crianças. Trabalho voluntário no Centro Comunitário Areias do Campeche (Amareias). 2017/Florianópolis.
Um trabalho perfeito para mim é aquele que posso atingir metas com minhas próprias ideias e criações. Sou professora há uma década, uma pessoa extremamente flexível, que gosta da novidade e de possibilidades diferentes. Tudo isso é muito lindo dentro da minha cabeça: acabo vivendo de idealizações sobre como seria muito bom trabalhar assim ou assado. A vida real coloca limitações e tenho aprendido todos os dias a aceitá-las como são. Fazer as coisas a partir daquilo que chega tornou-se algo muito original no meu trabalho como educadora.
Nos últimos anos, dediquei meu tempo às aulas particulares, à criação do Laboratório de Histórias, redação de blogs, revisão de textos, escrita de contos e poesia e a busca pela integração de tudo isso em uma coisa só.
Hoje estou em uma encruzilhada, onde todos os fragmentos jogados pelo tempo se encontram em mim e reinvento um educar. Neste ano, voltei a pisar no chão da escola como professora e estou pronta para dar um novo gás a este trabalho e manter o que já vem crescendo comigo.
As aulas voltaram ao presencial depois de dois anos de instabilidade. É evidente que muitas crianças e adolescentes tiveram seu processo educativo afetado. Estão agitadas, falando mais, escutando menos, chorando muito, não conseguem se concentrar. E nós, professoras ficamos buscando incessantemente formas de chamar a atenção, de melhorar a escuta, de dar conta do que planejamos.
Às vezes, esquecemos de levar em conta que também estamos voltando desta instabilidade. Estamos falando mais, escutando menos, chorando muito, agitados, com dificuldade de concentração. Percebo um encontro entre alunos e professoras aqui. Talvez sejamos feitos da mesma matéria, não é?
No meio de um dia de trabalho, vi um menino de 7 anos chorando. Ele queria a mãe, ir pra casa, “eu ainda não me acostumei”, dizia ele. Também chamei baixinho - só pra mim - pela minha mãe e quis colo no meio da tarde. Olhando para ele, reconheci o que eu sentia. Está difícil, né? Ele não conseguia se concentrar, tinha muito barulho. Eu também.
O cansaço pegou a todos em cheio. E o que fazer com tudo isso?
É como as crianças estão, é como estamos. E levamos quem somos e o que sentimos para onde nos encontramos. Há a possibilidade de fingir, mas aonde o ocultamento do que sentimos vai nos levar? A perpetuar violências conosco mesmos e com quem nos rodeia? Acho que não é o caminho.
Não tenho muitas respostas, na verdade. Estou em construção, também.
A minha escolha no momento – e sou muito grata por ter o privilégio de escolher – é reconhecer nos alunos o que também estou sentindo. Não sentimos igual, eu sou eu, você é você, cada um é cada um. Jamais saberemos exatamente como o outro sente, mas podemos entender, nos aproximar. Escutar o que uma criança tem a dizer é reconhecer que sentimos e há espaço para as emoções. Sem procurar resolver, só estar ali disponível para escutar é tanto.
Chegou a sexta-feira e percebi que olhando nos olhos do Pedro, da Maria Clara, da Laura tenho notícias de mim.
Li o noticiário de mim com afeto no dia de hoje.
"Quando encontro com o outro, tenho notícias de mim." Rolando Toro.
Obrigada Rolando Toro.
Obrigada Paulo Freire.
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